terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Uma geração de "inamoráveis"

Uma vez, em um bar, ela me disse: “Neste mundo existe pessoas inamoráveis, e eu sou uma delas”…

Aquilo me intrigou durante toda a noite, uma palavra fora do dicionário que ela usava para se descrever, e por que? A observei enquanto ela, tímida, finalizava mais um copo de cerveja. Eu estava com ela havia quatro horas, quatro horas onde conversamos sobre filosofia, arte, astrologia, cinema e viagens… Quando ela se dirigia ao garçom o bar inteiro parava para vê-la… Tinha seu carro, sua casa e era do tipo que não dependia de ninguém, então por que pensar assim? Teria ela se fechado?

Ela fez uma cara de entediada e me chamou para caminhar enquanto fumava um cigarro, até a saída sorriu e cumprimentou todo mundo com aquele jeito sapeca de menina do mundo…

Aquilo tudo era muito pequeno e raso para ela, conclui.

Na rua todos passavam apressados, ela se divertia com os animais abandonados, abaixou e entregou sua garrafa de água pro morador de rua, explicou o endereço de uma balada em alemão para um estrangeiro perdido que agradeceu com um sorriso, comprou chicletes de uma criança e seguiu...

E na minha cabeça só ecoava: inamorável.

Foram horas observando aquela garota, até não me aguentar e voltar no assunto… Eu queria entender melhor, eu queria uma definição como num dicionário. Então ela pegou minha mão e me puxou para um bar onde tocava uma banda de rock, ficou em silêncio por longos 30 minutos observando tudo, até que disse:

– Olhe ao seu redor, estamos já a um tempo aqui. Durante esse tempo por nós passou uma garota chorando por que seu namorado terminou com ela ontem e hoje já está com outra, pois acredita que pessoas são substituíveis. Naquela mesa tem 10 pessoas e elas não conversam entre si, pois estão nos seus smartphones. Veja, talvez aquela garota de vermelho seja a mulher da vida do cara de azul, mas ele nunca saberá, pois é orgulhoso demais para tentar. Veja o rapaz de pólo no bar, é o terceiro copo de martini que ele toma olhando pra loira, que por sinal está tentando chamar a atenção do vocalista que fingi que ela não existe por causa da ruiva e da morena, que ele pega em dias alternados, e ele não pode ficar mal perante as outras.

Olhe ao seu redor, não fazemos parte disso, não somos rasos, realmente não fazemos parte disso, entramos sem celular na mão, esperando encontrar pessoas legais, com papos legais, com relações reais e voltamos para casa sozinhos, somos invisíveis num mundo de status onde as pessoas não vão te querer por que você mora longe, ou por que não gostam da sua cor de cabelo ou por que você não curte os beatles, acontece tudo tão rápido que as pessoas estão com preguiça de fazer o mínimo de esforço para conhecer realmente alguém e, tudo é medido em likes. Eu passo por essa legião como um fantasma pois eles estão ocupados demais para ver quem está redor, enquanto procuram alguém no tinder. E eu me importo? Não mais. Sou inamorável por que não me importo com nada disso. Nenhum desses status, não me importo em quanto tempo levo para conquistar a pessoa, se ela realmente vale a pena, não me importo se terei que atravessar a cidade para vê-la quando tiver saudades e, não me importo se ela me presentear com um ingresso pra ir ver o show dos beatles por que é importante para ela, mesmo eu detestando a banda. Por que eu sou assim e, se antes era o que procurávamos em alguém, hoje em dia somos considerados inamoráveis por manter o coração e a mente aberta.

”Naquele momento eu a entendi, e me apaixonei pelo mundo dela."

Texto de: Akasha Licourt

Ótima escrita, análise e sabedoria da escritora, dispensaria qualquer outro tipo de comentário mas, diante da expertise de Akasha eu complementária com o choque de realidade a seguir:

Num tempo que amar é tão difícil, se entregar é amedrontador, ter o coração partido novamente é assustador, culmina que um coração cheio de amor, acaba por não encontrar, dentro de 7 bilhões de corações batendo, qualquer outro coração que o faça transbordar. Me parece que não existem mais pessoas dispostas a realmente se afogar, mergulhar de fato a ponto de entregar-se, sem medo, sem culpa, sem arrependimento, sem dor, sem mácula e, sem decepção. Bastariam pequenos detalhes, para que os bons sentimentos se multiplicassem.

Onde nada vale a pena, nenhum esforço tem seu mérito, pequenos detalhes tem ínfima ou nenhuma importância, dedicação e respeito já não tem mais sentido, doar-se já não faz-se necessário, estar junto é dispensável e tecnologia é a substituta daquele pequeno momento do “abraçar infinito”, cheio de saudade... é onde vivemos sem perceber ou, até negando os fatos mas, fazendo-se multiplicar uma população de pessoas rasas e, do outro lado, uma geração de “inamoráveis” que sofre por não dar e nem receber amor, no meio de gente que sofre fingindo, pra si mesmo, transbordar deste.

“...é coração, não é tão simples quanto pensa.”